Our Fears

São as imagens que dão vida aos textos, e os textos que dão movimentos às imagens. E rodam todos como karaminholas na kuka da Krika.



terça-feira, 29 de junho de 2004

A bússola

A bússola



Lá estava ela sentada na cama, abrindo e fechando uma bússola, revendo toda a sua vida a cada movimento de abrir e fechar. Aos pés da cama um par de mãozinhas agarra a grade, e dois olhinhos se elevam, e uma vozinha familiar lhe chama a atenção:
- Mãe, o que é isso na sua mão?
Ela vê seu tesouro, sua filhinha curiosa, e abre seu melhor sorriso.
- Oi, Bellinha! Não a vi chegar. Isso aqui é uma bússola.
Ela ajuda seu tesouro a subir na cama para sentar ao seu lado, mal a menina se senta, e já dispara mais uma pergunta:
- Pra quê serve?
- Para orientar uma pessoa qual o rumo tomar, quando navega ou faz uma excursão na mata, por exemplo.
Bellinha mal ouve a resposta, e já vem com outra pergunta:
- Você vai viajar?
Ela afaga os cabelos da menina, pensando no quanto queria ver sua pequena se formando na universidade.
- Não, meu amor. Digamos que a mamãe precisa sempre encontrar sua Bellinha. Cadê meu beijo, sua tagarelinha?
A menina se enrosca no pescoço da mãe e dá-lhe um beijo.
- Agora sim, mamãe ganhou o dia.
E quem disse que Bellinha estava satisfeita com as perguntas, sempre tinha muitas perguntas:
- Mãe quem deu essa bússola pra você?
Os pensamentos da mãe de Bellinha voam para o dia em que seu irmão lhe deu a bússola.
- Seu tio, ele me deu quando fui morar sozinha. Disse que era para eu sempre poder encontrar o caminho de casa, se eu precisasse voltar.
- E você voltou?
- Eu voltava todos os domingos para comer a macarronada da vovó. A segunda melhor do mundo!
- Quem é a primeira?
Ela tinha uma satisfação em ensinar sua garotinha:
- O certo é: “de quem é a primeira?”, meu amor. Que pergunta! Lógico que é a minha! Você não se acha uma garotinha de sorte?
- Eu gosto da macarronada da vovó também.
- Que bom que tem um “também”, aí. Senta aqui mais perto da mamãe.
Ela aproveitou para apertar sua Bellinha contra o peito, já sentindo saudades. Ela estava ciente que era uma cirurgia relativamente simples, mas não tem quem não se assuste com o diagnóstico de tumor, mesmo sendo benigno. Não tinha como não pensar que de uma hora para outra poderia ter que se separar de sua Bellinha, e não vê-la crescer. Sabia que seu marido, que sempre foi um pai e um marido maravilhoso, cuidaria bem dela, mas mesmo assim não queria ficar longe da filhinha. Da morte nunca teve medo, só queria mais tempo com a filha. Esperava que Deus ouvisse suas preces.
- Por que sua mão está tremendo, mãe?
- Porque a mamãe é boba, deste tamanho e ainda tem medo de médico.
- É boba mesmo! Ele só vai pedir pra você abrir a boca assim: “aaaaaaaaaah”, aí ele vai colocar um pauzinho, vai olhar o que você comeu e vai dizer que você cresceu.
- Só isso?
- É.
- Você não tem medo?
- Não.
- Você tem razão. A mamãe é muito boba.

domingo, 27 de junho de 2004

Por quê existem karaminholas na kuka da Krika?

Por quê existem karaminholas na kuka da Krika?

Talvez porque ela adore desafios. O David, lá das terras de além mar, fez-me o desafio outro dia: criar um blog com uma nova proposta. Cá está ele!

Não será tão intimista como a Kuka da Krika, neste as imagens darão cor aos textos, e os textos darão movimento às imagens. Conseguir manter esta proposta será outro desafio. Que me puxe a orelha, aqueles que notarem que abandonei meu desafio!

O primeiro post é dedicado ao padrinho do blog. Espero que gostes, dindinho!

Vamos deixar de conversa fiada, e colocar as karaminholas para fora?


Gosto de você



No dia em que me deste a bonequinha com caraminholas na cuca, não disseste nada.

Entrou-me na sala todo hesitante, cara de menino que aprontou das suas, olhava-me de soslaio e com cerimônia.

Eu que estava lendo as aventuras de um templário, num romance qualquer, e deitada com as pernas cruzadas no encosto do sofá, levantei meus olhos, dei-lhe meu sorriso que-bom-que-você-chegou.

Sempre me perguntaste como eu conseguia me concentrar na leitura numa posição tão desconfortável, talvez lhe fosse desconfortável saber que eu não sou nem um pouco convencional, mas nesse dia não disseste nada.

Estendeu-me o braço, entregou-me a caixinha, seu rosto não tinha expressão, e foi-se embora. Naquele momento eu nem sabia o que fazer. Abri a caixinha meio confusa. Dentro estava a bonequinha com caraminholas na cuca, um sorriso pintado no rosto, uma flor colada na roupa, um cartãozinho onde se lia: “Gosto de você!”.

Eu ainda estava confusa, levantei com cuidado a bonequinha, encontrei um papel dobrado. À medida que fui abrindo meu coração sobressaltava, lá estava tua letra, mas tinha algo de estranho, a escrita quase tinha furado o papel, parecia um bilhete escrito em fúria, as letras se arrastavam quase engolindo uma às outras. Li e estremeci. Chamei teu nome baixinho, depois gritei com toda a força dos meus pulmões. Quando me pus de pé, a sala toda rodopiou, fui ao chão. Não sei quanto tempo fiquei ali desmaiada.

O bilhete dizia: “Em muito tempo na minha vida, não me sentia tão feliz, você trouxe luz à minha vida. Eu a amei no primeiro momento em que a vi. Mas, hoje descobri que não posso me separar da vida triste e sombria que eu tinha antes. Aconteceram coisas que nem me atrevo a contar. Você nunca entenderia, você consegue simplificar tudo, mas nunca vai simplificar meus medos e minhas dores. Adeus.”

Ficou-me apenas a bonequinha de caraminholas na cuca.
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